Se não quiser sucumbir, a economia em rede precisa tornar o arquétipo feminino dominante, nas empresas e em todas as organizações
Por Walter Longo, via Revista HSM
Todo mês de junho, a Dell Computer patrocina a conferência DWEN. A sigla significa Dell Women’s Entrepreneur Network, ou rede Dell de mulheres empreendedoras. A sede vai mudando: o primeiro encontro ocorreu em Xangai, China, em junho de 2010; o segundo, no Rio de Janeiro, exatos 12 meses depois; o terceiro em Nova Délhi, na Índia, e assim por diante. Em 2016, foi a vez da Cidade do Cabo, na África do Sul.
Por que uma empresa ocupada em lutar uma verdadeira guerra pelo mercado de tecnologia da informação investe uma fortuna para construir um relacionamento de longo prazo com executivas e empreendedoras, especialmente de pequenas e médias empresas? O que a Dell sabe que nós não sabemos?
Da mesma forma, a revista Fast Company já elaborou uma lista de mulheres que estão mudando o mundo, “The League of the Extraordinary Women”, a revista Fortune produz um ranking de melhores empresas para mulheres trabalharem, várias consultorias, como a McKinsey, acompanham a evolução das mulheres no mercado de trabalho etc.
Alguns argumentam tratar-se de mera matemática mercadológica. Afinal, mais de 60% da movimentação nas redes sociais é realizada pelas mulheres, no que se refere a atualizações e comentários, e muitos ecommerces têm 70% dos clientes têm apenas cromossomo X. Mesmo o universo dos games, antiga fortaleza masculina, está sendo dominado pelo público feminino: o Zynga já informou que 60% de seus games online já são hoje consumidos por elas.
Outros acreditam que as pessoas começam a acordar para o fato de que, em tempos de sustentabilidade, as mulheres constituem o pilar sustentável de famílias e comunidades, como já comprovou o Prêmio Nobel da Paz Muhammad Yunus, conhecido por seu revolucionário programa de microcrédito dirigido apenas a mulheres em Bangladesh. Questão de comportamento: em geral, elas não vão embora nem abandonam os outros por motivos fúteis, incluindo empregadores e fornecedores.
Em minha opinião, as duas explicações para haver tanto interesse do mundo business pelas mulheres procedem, mas não bastam. As mulheres não são somente as maiores usuárias ou as provedoras estáveis, como também, crescentemente, as grandes protagonistas. Desde 2010, das dez celebridades mais procuradas em diferentes mecanismos de busca na internet, apenas um é homem, segundo levantamento da COED Maga- zine, revista do estilo de vida teen norte-americano. E, independentemente de qualquer juízo de valor, celebridades são os “role models” de uma sociedade de massa.
A questão central é outra: por razões históricas e biológicas, mulheres estão mais aptas do que homens para prota gonizar —e sustentar— esta era digital.
ANÁLISE BIOCOMPORTAMENTAL
Tidos como piadas ou recriminados pelos defensores do politicamente correto, os mitos de gênero se confirmam na maioria das vezes: homens sabem ler mapas, mulheres encontram objetos em gavetas mais facilmente. Homens privilegiam o monólogo e falam menos, mulheres gostam de diálogo e falam mais. Homens empreendem, mulheres gerenciam. Homens têm foco, mulheres são multitarefas.
Tudo isso requer, no entanto, uma análise biocomportamental. No período em que o cérebro teve sua maior evolução —hoje ele continua muito similar—, cabia aos homens caçar e pescar e às mulheres cuidar da moradia e dos filhos. Eles precisavam ter uma noção de espaço aguçada, visão foca da na distância, ser silenciosos para não espantar as presas, buscar algo que não possuíam e concentrar-se na quela única missão. Elas, por sua vez, tinham de viver em espaços reclusos e restritos, com visão próxima e na penumbra, fazer barulho para manter a moradia a salvo dos predadores, cuidar do que possuíam e lidar com várias atividades ao mesmo tempo, até pela quantidade de filhos.
Outro aspecto interessante, de acordo com estudos biocomportamentais recentes, é que a reação ao perigo era radicalmente distinta em homens e mulheres. Se eles respondiam a uma ameaça com o típico “fight or flight” (lutar ou fugir), elas apelavam para o “tend and befriend” (cuidar e fazer amizade), porque seu objetivo era preservar o máximo de sua cria.
Essa propensão a compor com os outros é atribuída, em inúmeras pesquisas, ao fato de o hormônio feminino estrogênio alavancar os efeitos da oxitocina, que estimula o amor e o “instinto maternal”.
ABUNDÂNCIA = COLABORAÇÃO
A economia industrial, onde havia escassez, sempre foi baseada na dominação e no controle, não na colaboração e no senso de comunidade. Assim, sempre foi claramente masculina. Afinal, lutar ou fugir e a hostilidade XY são o que viabiliza tanto a dominação como o controle.
A economia pós-industrial, caracterizada pela abundância resultante da globalização e das tecnologias em rede, pede, ao contrário, colaboração e senso de comunidade. É uma mudança de paradigma gigantesca e, embora já muito alardeada, ainda se mostra pou quíssimo compreendida.
A única coisa que falta para a necessária revolução é justamente entender e aceitar o papel dominante das mulheres na economia pós-industrial, pois, para elas, a colaboração e o senso de comunidade são o padrão. (Trata-se do papel do arquétipo feminino, uma vez que este pode ser incorporado por homens também, assim como tantas mulheres incorporaram o arquétipo masculino na economia industrial.)
Em um ambiente de escassez, homens se dão melhor porque há uma disputa contínua pelo poder, que requer luta ou fuga. Num ambiente de abundância, onde qualquer estrutura é mais participativa e descentralizada, é a mulher que se sai melhor, cuidando dos outros e fazendo amizades. Se os homens insistirem em continuar à frente nesta era de abundância, tenderão a forjar a escassez para manter o poder. E os resultados tendem a ser desastrosos para todos.
Só elas podem levar esta nova economia em rede a um estado de graça, enquanto nós talvez a conduzamos a um cataclismo. Nós, homens, somos analógicos e as mulheres é que são digitais. É a elas, e ao arquétipo feminino, que este mundo pertence. Os líderes de empresas como a Dell já o perceberam. E você?