Ao contrário do que muitos insistem em afirmar, 2020 não apenas terá acontecido, mas terá sido uma grande lição

Não há para onde correr. Em tempos de crise, os líderes, em especial os CEOs e altos gestores públicos, assumem mais responsabilidade e relevância. Encaram a face embaçada do problema e a comunicação da crise. Suas vozes moldam as narrativas do público interno e direcionam pontos de vista da opinião pública, para o bem e para o mal.
Comportamentos são gerados a partir do exemplo do líder. Da mesma forma, poucas palavras são tão capazes de produzir efeitos de grande escala no mundo como as dos chefes de estado e das autoridades de saúde. Suas palavras chamam à ação e produzem efeitos materiais.
Com a pandemia, fundadores, executivos e gestores perceberam como tudo o que construíram se tornou frágil quase da noite para o dia e foram convidados a olhar para dentro e para e fora e observar de perto a realidade vivida por seus funcionários e por suas famílias. Como nunca, a complexidade e a ineficácia de soluções unilaterais ficaram tão visíveis.
O encontro da crise gerada pela pandemia com uma crise de confiança que vem desafiando o país e o mundo e do crescimento da intolerância e da desigualdade, deixou todos em sinal de alerta e fez acordar uma sociedade assustada, carente de saber o que está acontecendo. De compreender o que isso tudo significa em suas vidas pessoais e coletivas. Uma realidade que faz crescer o valor das informações verdadeiras, assertivas, transparentes e confiáveis transmitidas por líderes gentis, empáticos e colaborativos.
Decisões que implicam em vidas, geralmente deixam líderes paralisados, principalmente em situações em que a urgência em decidir é vital. Ficou claro que as escolhas precisam ser tomadas com o olhar para as diferenças e para a gestão de danos que estão atingindo a sociedade de forma desigual. Não existem dúvidas, as escolhas deste momento colocarão muitos líderes na história por sua resiliência e responsabilidade e levarão outros tantos ao descrédito e ao desaparecimento.
Se, por um lado, a situação ampliou os riscos de exposição, revelou o quão importante é perceber que está na hora de abandonar estratégias baseadas em imagens construídas para esconder a realidade. Está claro que a estratégia capaz de fazer diferença neste momento deve estar focada na construção de reputação, aquela que se baseia na coerência entre o que temos como valor e o que fazemos todos os dias.
São nessas horas que as instituições e corporações cujos líderes respondem a valores, crenças e propósitos claros se sobressaem no meio da tempestade. São esses os líderes que mais rapidamente colocam seus colaboradores e familiares em primeiro lugar, reconhecendo que a vida é o bem maior.
Este momento deixou ainda mais claro que organizações e líderes sem propósito e sem interesse além do lucro deixarão de existir muito em breve. É necessário, possível e urgente fazer negócios enquanto trabalhamos para minimizar e resolver os impactos sociais e ambientais gerados pelo sistema.
Não à toa, é exatamente neste momento que a agenda ESG – Enviroment, Social and Governance – adotada pelo sistema financeiro para avaliar o desempenho de uma empresa, ganha força e coloca a trajetória e não apenas o resultado alcançado em perspectiva.
Mais do que nunca, líderes precisam se fazer presentes. O olho no olho, mesmo que virtual – enquanto o presencial não for recomendado – é necessário, assim como a verdade, a clareza e a gentileza. Cada um a seu modo, os líderes com os melhores resultados na gestão da crise têm sido os mais positivos em sua capacidade de gerar confiança, o que tem acontecido, quaisquer que sejam as notícias, quando alguns aspectos essenciais são observados:
– As pessoas estão em primeiro lugar?
– Você está liderando o processo e está lado a lado com a sua equipe?
– No que você está trabalhando?
Garantir que a cultura da empresa seja tão ou mais forte do que era antes do confinamento também figura entre os principais desafios dos líderes. Mais que em qualquer era, a partir de agora, a comunicação passará a ser entendida como relevante e pedirá dos líderes prioridade, coerência e comprometimento traduzidos em narrativas que orientam, cuidam, acolhem, motivam e engajam.
O momento pede líderes positivamente humanos, corajosos a ponto de se colocar vulneráveis e ousados em sua capacidade de enfrentar o desconhecido, sem medo de dizer “eu não sei”, e orientados para construir soluções de forma conjunta. Só assim as dificuldades que estão sendo vividas agora irão gerar o aprendizado necessário não apenas para resolver da melhor forma os problemas que estão em curso, mas para que estejamos preparados para evitar ou gerenciar novos tempos difíceis. É dessa forma que, no final, ao contrário do que muitos insistem em afirmar, 2020 não apenas terá acontecido, mas terá sido uma grande lição.